Parte IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Voltar para o Sumário

IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na ausência de uma autoridade superior, e amparado nos ombros dos grandes nomes da teologia, sobretudo os que abordaram com idoneidade e competência a crise presente com bastante justeza em suas inferências teológicas, e enquanto não houver sentença romana que resolva definitivamente esta questão (para o qual haveria de mudar várias coisas), entendemos como justificada e incluso necessária a medida prudencial que já havia sido adotada e justificada (implicitamente, ao menos, em que buscamos agora explicitar) por Dom Lefebvre (e mantida até hoje por sua Fraternidade e demais comunidades da Tradição) de confirmar sistematicamente sob condição os fiéis que solicitarem este Sacramento após tê-lo recebido no rito novo quando se observa que não se traduz corretamente o “signaculum”, e confirmar sob condição apenas caso a caso em razão de outras circunstâncias concretas da celebração. Como não há defeito sistemático de matéria, e há hoje meios mais acessíveis para verificar isto, não se deve crismar sob condição sistematicamente qualquer pessoa que fora crismada no rito alegando possível defeito de matéria (ou seja, a mera possibilidade de ter utilizado outro óleo que não o de oliva), devendo-se investigar caso a caso se houver indícios, sabendo que isto é um perigo bem remoto em grande parte das dioceses (embora isto possa mudar, o que há de fazer um juízo prudencial levando em conta as circunstâncias).

Ou seja; deve-se crismar sob condição sistematicamente quando se constatar defeito sistemático de forma em razão das más traduções para as línguas vernáculas, principalmente quanto ao termo “Signaculum”, e concretamente nos países hispânicos (que também traduzem “Signaculum” erroneamente por “señal”) e principalmente nos países lusófonos, em que há uma debilidade na tradução uma das palavras essenciais do Sacramento, modificou-se a fórmula original, sem amparo em verdadeira autoridade magisterial, e ainda unificou-se esta fórmula débil, gerando uma dúvida positiva sistemática sobre sua validade em razão do defeito de forma, ao que se requer Confirmação condicional sistemática a quem solicite.

Vale repetir que não basta para a validade da fórmula ter o sentido devido em si mesma, ou mesmo dado pelo contexto do rito (significatio ex-adjunctis), antes é necessário que seja uma fórmula legítima, recebida pela Igreja em exercício de magistério autêntico (neste caso, infalível, pois versam sobre leis litúrgicas universais). Na tradução portuguesa da fórmula não se observa real correspondência com a tônica ou acento sacramental da fórmula oriental válida originalmente, nem há garantia do Magistério extraordinário, nem magistério ordinário infalível que assegure a validade da tradução. 

Ao mesmo tempo, não se pode considerar a nova tradução fórmula  em si mesma inválida simpliciter, mas apenas duvidosa, pois embora as inovações da reforma litúrgica em todos os ritos em geral (nocivos em maior ou menor grau) e da Confirmação em particular seguirem tendências de doutrina modernista, não se pode dizer que elas fazem profissão explícita desta doutrina no próprio rito, de maneira que não se deixa inequívoco que não se quer  fazer o que a Igreja faz, nem se pode dizer que a fórmula modificada da Confirmação visa introduzir explicitamente uma concepção herética deste Sacramento.

Vale ressaltar que todas estas conclusões sobre este assunto árduo são de responsabilidade exclusivamente nossa, e, portanto, nós assumimos inteiramente a autoria de nossas explicações. Não obstante, nossas conclusões certamente jamais são realizadas segundo o nosso capricho, muito menos com base em quaisquer “achismos”, mas sim amparadas nos ombros de gigantes, não apenas nos fiando em nossas próprias luzes, sobretudo num assunto que, não somente é muito difícil e inaudito na história da Igreja, mas que – como tratamos no início do trabalho – também requer certo recurso à prudência eclesiástica (já que se trata da disciplina dos Sacramentos, cuja administração está sob encargo da Hierarquia e do clero à ela subordinado) desde que fundada em sólida teologia que vai dar os subsídios necessários para um juízo prudencial adequado.

Como sabemos, não há um conhecimento “puramente prático”. A razão prática e a razão especulativa são uma mesma potência que se diferem apenas acidentalmente. De maneira que um juízo prudencial justo está sempre fundado em uma doutrina verdadeira, ainda que o contrário não seja necessariamente verdadeiro (pode-se sustentar uma doutrina correta do ponto de vista especulativo, e ainda assim faltar com a prudência em âmbito prático, aplicando inadequadamente princípios em si mesmos verdadeiros). 

Dom Lefebvre, um herói da Fé, na abundância do Dom do Conselho que recebera para que pudesse enquanto pastor de almas guiar os fiéis católicos nesta crise inaudita na história da Igreja, adotou esta medida no plano prudencial com sólidas razões, em que estas decisões práticas (em si previstas no direito canônico) tomadas diante das circunstâncias impostas no curso da vida e no estado pelo qual atravessa a Igreja hão de inevitavelmente se tornar solução doutrinal ao longo do tempo pelos continuadores do seu legado em defesa da Tradição Católica, do autêntico Magistério eclesiástico. Não adianta empurrar a questão com a barriga, conforme o tempo passa, quer se queira ou não, cedo ou tarde, tais medidas práticas exigem uma solução doutrinal, uma justificação de ordem especulativa, formal, teológica.

Reiteramos que o papel de Dom Lefebvre fora predominantemente como Bom Pastor em tempos tempestuosos nunca antes vistos, em que manteve seu combate primariamente no âmbito prudencial, ainda que imediatamente derivado de solidíssima doutrina católica, diante da perplexidade do vendaval conciliar. Dom Lefebvre não fundou uma escola teológica própria, não se erigiu líder de um “movimento”, muito menos fundador de um “carisma” particular. Não cunhou ele mesmo uma “linha particular” de uma tese teológica a ser disputada, nem de uma espiritualidade peculiar. Ele simplesmente transmitiu o que recebeu. A sua principal diferença foi não fazer nada diferente do que a Igreja sempre ensinou e fez na formação de Sacerdotes com espírito missionário, na transmissão da Sã Doutrina e celebração dos Sacramentos válidos e legítimos no rito tradicional, até o estardalhaço conciliar. A espiritualidade de sua Fraternidade é a espiritualidade da própria Igreja, orientada ao Santo Sacrifício do Altar, fonte primário e indispensável do espírito cristão, em que buscou formar santos sacerdotes para realizar o Santo Sacrifício da Missa e apascentar as ovelhas com a doutrina e Sacramentos tradicionais. Dom Lefebvre atuou no âmbito prudencial em salvaguarda da Fé contra tudo o que a opunha e a opõe.

Mas para que suas medidas prudenciais pudessem ser suficientemente esclarecidas em sua idoneidade diante de um contexto inédito, em algo sui generis como o Concílio Vaticano II  (cuja resolução especulativa não se resolve com a mera aplicação direta de princípios teológicos já estabelecidos, explícita e universalmente aceitos, já que nunca havia ocorrido um concílio desta natureza, que se pretendia meramente pastoral, e que não se isolou para deliberar, sendo midiático do início ao fim) haveria inevitavelmente de se levar estas medidas ao âmbito doutrinal. 

Esta modesta contribuição buscamos fazer ao explicitar este assunto específico e apenas pela falta de alguém mais competente que já o tenha feito (os princípios já haviam sido dados, mas a explicitação deste meandro ainda não, ao menos não que tivesse chegado ao nosso conhecimento), sem nos arrogarmos possuidores de nenhuma autoridade magisterial que de fato e de direito não possuímos, mas sim exercendo a faculdade que o próprio Concílio Vaticano II nos deu como simples fiéis – ao propor seu magistério a maneira de diálogo público do povo de Deus- que em verdade se tornou uma grave obrigação (para guardar a própria Fé) de participar desta discussão pública de igual para igual defendendo o ensinamento tradicional (anti-modernista, anti-gnóstico, e anti-liberal) em rechaço categórico às inovações conciliares, atendo-se em tudo ao Magistério tradicional. 

Assim sendo, não poderíamos nos furtar de buscar dar alguma resolução para este problema (e apenas em razão de não haver uma luz superior, que é a do próprio Magistério eclesiástico, amparado na autoridade da ciência divina, acima da razão e até mesmo da Fé, já que, como dissemos, aquele que regra é superior ao regrado), visto que se trata de um tema importantíssimo para o simples fiel, pois versa sobre a dita “iniciação cristã”, sem o qual não há cristão perfeito, não há fiel provecto, ordinariamente. Não pode haver dúvida positiva em matéria de Sacramento, sobretudo nos que imprimem caráter. 

Como os fundamentos de nossa resolução estão baseados para além da prudência pastoral de Dom Lefebvre que ajuizou especificamente acerca deste ponto, em uma tese teológica, que para resolver o problema do Magistério conciliar, necessitou desenvolver o que já estava somente implícito na doutrina sobre o Magistério, precisamente acerca da extensão proporcional do Magistério infalível do Papa como determinado pelo Vaticano I para o Magistério infalível do Papa e dos bispos (seja extraordinário, e principalmente magistério ordinário universal), o que justamente por não ser ainda um princípio teológico explícita e universalmente reconhecido, ainda deixa certa margem para alguma disputa e esclarecimento, mas uma margem muito pequena, porque ao mesmo tempo deve se reconhecer que a referida tese, cujas conclusões nos baseamos para nossa resolução do presente problema, é ela mesma conclusão imediata de princípios doutrinais muito firmes, presentes nos ensinamentos dos Papas. Portanto, não se trata jamais de mera “glosa pessoal”, nem mero “opinionismo” leviano de nossa parte, muito menos de Calderón. 

Ao contrário, arrogar-se juiz do Magistério e tratar de modo unívoco a autoridade do próprio magistério não-infalível sem levar em conta que nele também há graus de autoridade (desde um grau ínfimo como uma alocução papal, até um grau enorme como são as grandes encíclicas)  – é algo objetivamente inadmissível, inaceitável.

Até que algum Papa ou o próprio Nosso Senhor diretamente resolva de uma vez por todas este problema em torno da crise de autoridade magisterial sem precedentes, entendemos que somente a tese de Calderón nos daria do ângulo especulativo uma solução consistente, coerente e verdadeira para esta crise de autoridade doutrinal presente na Igreja a partir do concílio Vaticano II, sem fugir à doutrina católica. Somente esta tese nos é apresentada como compatível (tanto em coerência, como em consistência) com a posição heróica de Dom Lefebvre, e outros heróis na defesa da Fé, que impugnaram publicamente, pelos telhados (como cabe a uma questão que envolve a Fé), sob sol de meio-dia os erros conciliares, jamais por meio de diluídas e inócuas reservas privadas, feitas em âmbito meramente interno, evitando toda polêmica, mesmo as justas, ou reduzindo todo o problema dos documentos conciliares – por meio das mais insanas e exorbitantes ginásticas mentais –  a uma mera questão de interpretação, e assim danificando gravemente  a natural repugnância à contradição.

Apenas esta tese permite rechaçar publicamente as inovações do concílio Vaticano II (não apenas por teólogos de ofício, mas pelos simples fiéis, devidamente preparados) e os problemas da Missa nova e da reforma litúrgica em geral, sem abrir margem para que os neomodernistas se erijam juízes do magistério autêntico e critiquem ao vil prazer o magistério não-infalível pré-conciliar. 

Ainda que os mesmos baluartes da Fé que impugnaram os erros doutrinais do CVII não tivessem alcançado esta solução doutrinal dada por Calderón, seja porque não eram todos teólogos de ofício, seja por estarem todos no olho do furacão em um contexto que era inteiramente (ou quase inteiramente) desconhecido com mudanças frequentes que aumentavam a perplexidade, seja também pela falta de tempo hábil para análise madura e resolução especulativa satisfatória, tendo permanecido predominantemente no âmbito prudencial, era necessário posterior solução doutrinal que sustentasse formalmente seus juízos prudenciais, sem enviesamentos e sobretudo sem nenhuma indocilidade ao Magistério. Pensamos que o reverendo padre Calderón cumpriu estes requisitos como nenhum outro, na verdade estamos convencidos que ele até então fora o único que deu uma solução adequada para a questão (que, no fundo, é a única questão que importa: qual é o Magistério autêntico a seguir) respondendo todas as principais objeções.

Ao contrário da alegação petulante de alguns ineptos, não se está aqui a advogar pela administração em absoluto do Sacramento em geral, e sim por sua restituição condicional e apenas se houver real dúvida positiva quanto à matéria (a ser analisada caso a caso), e/ou se a pessoa fora crismada em algum país lusófono ou hispânico, enquanto não se traduz nem correta, nem legitimamente a fórmula sacramental (sobretudo em sua tônica, suas palavras essenciais), em íntegra conformidade com a original, grega ou latina. Portanto, não se está afirmando que há invalidade intrínseca na crisma no rito novo em sua fórmula original, quando se usa óleo de oliva em sua celebração. Não se está dizendo que a crisma no rito tradicional celebrada por bispos sagrados no rito novo (supondo que usem matéria e fórmula correta, aceita pela Igreja) seja intrinsecamente duvidosa, muito menos inválida, como faz o “terraplanismo teológico” que é o sedevacantismo.  

O que se está dizendo é tão somente que as atuais traduções portuguesas (e espanholas) da tônica da fórmula sacramental são inadequadas, deturpadas, débeis, deficientes, que não correspondem ao termo comum que traduz Signaculum nos respectivos vernáculos, havendo assim certa dúvida positiva, de modo que nestes países lusófonos e hispânicos se justifica administração condicional sistemática do Sacramento da Confirmação a todos os que foram crismados no rito novo nestes idiomas, enquanto durarem esses defeitos de forma.

É absurdo que certos tipos tomem Dom Lefebvre como “herói da Fé” e ao mesmo tempo afirmem (de maneira completamente incompetente, frise-se) como “sacrílega” a medida adotada pelo mesmo Dom Lefebvre e pela Fraternidade que ele fundou (e não só ela, mas outros grupos e iniciativas da Tradição) de crismar sob condição com certa facilidade todos aqueles que se apresentavam a ele tendo sido crismados no rito novo com dúvidas sérias sobre sua crisma não somente em decorrência da matéria, mas também em decorrência das más traduções da fórmula sacramental.

Se restituir condicionalmente o Sacramento na Confirmação de maneira sistemática nos países onde há uma dúvida positiva na tradução da fórmula seria um “sacrilégio” (segundo alguns que infelizmente padecem de uma formação muito precária, e que não compreendem devidamente a crise e o estado de necessidade decorrente desta, mesmo que digam lutar pela Missa Tridentina, dissociam-na da guarda íntegra da doutrina em todos os aspectos), então são incoerentes em considerar Dom Lefebvre como “herói da Fé”, uma vez que ele mesmo crismava sob condição alegando justamente a má tradução da tônica sacramental da fórmula referente ao “sigilo/selo”, para além da questão do óleo. Alguém que cometia centenas ou milhares de sacrilégios todos os anos não pode ser um “herói da Fé”. Sendo no mínimo incoerente afirmar aquele, e concluir por este. Não existe “herói da Fé sacrílego”, muito menos “sistematicamente sacrílego” quando havia traduções sistematicamente errôneas das fórmulas sacramentais. 

Entretanto, os católicos-católicos (infelizmente, em decorrência da crise tal qualificação se faz necessária, ainda que temporariamente, e sem nenhuma presunção), que sabem que Dom Lefebvre é um herói da Fé (sabem porque conhecem a doutrina católica e conhecem sua obra apostólica, sua missão providencial de transmitir o que havia recebido, realizando a operação sobrevivência da Fé e do Sacerdócio católicos), e que ele jamais iria cometer – por desleixo, negligência ou insubmissão à doutrina da Fé sobre os Sacramentos –  um sacrilégio (ainda mais reiterado, habitual) em qualquer matéria, mas sobretudo em matéria tão grave, sendo inclusive demonstrado o seu juízo sobre a tradução tônica da fórmula sacramental desde 1989, que fora materialmente reconhecido até mesmo por adeptos da reforma litúrgica especializados justamente neste tema do “sphrágis”, do selo que imprime o caráter do Sacramento da Confirmação. 

Logo, da parte dos católicos, não se admite a restituição absoluta do Sacramento da Confirmação aos que a receberam duvidosamente no rito novo, mas tão somente a restituição condicional nos casos previstos, como Dom Lefebvre sempre fez.

Em relação aos ritos da reforma litúrgica, queda-se apenas as larvas de má doutrina, de maneira sub-reptícia, como é a especialidade do modernismo. Se o rito novo da Confirmação preservasse a integridade da fórmula bizantina em sua tradução portuguesa e espanhola, a manobra realizada permaneceria ilegítima, mas o rito seria certamente válido (supondo que também fosse utilizado o óleo de Oliveira). Porém, a tradução adulterada e principalmente quando há a modificação da fórmula (sobretudo nos países lusófonos e hispânicos) não possui garantia magisterial autêntica, nem corresponde adequadamente a nenhuma fórmula de algum rito já aceito pela Igreja, mantendo apenas alguma similitude com a fórmula bizantina, mas modificando justamente a tônica sacramental desta fórmula que é “selo” (caráter) do Espírito Santo.

Voltar para o Sumário

Próxima parte | Voltar parte anterior

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Últimas postagens
Confira também
Canal no YouTube
Confira nossas postagens no YouTube.
Continue Lendo

Artigo Relacionado

Parte V – Respostas a possíveis objeções

Voltar para o Sumário Objeção 1– O renomado moralista padre Prümmer em seu Manual de Teologia Moral diz que “Signaculum” e “Signo te” (eu te

Parte IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Voltar para o Sumário IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS Na ausência de uma autoridade superior, e amparado nos ombros dos grandes nomes da teologia, sobretudo os