Parte I – Introdução e Justificativa do Estudo

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“Depois, vocês virão se ajoelhar diante do bispo, e é no momento em que o bispo colocar a mão sobre a sua cabeça e fizer o sinal da Cruz na sua testa, com o Santo Crisma, e pronunciar as palavras do sacramento da Confirmação, que vocês receberão a graça do sacramento da Confirmação. Lembrem-se bem de que é nesse momento – um momento muito breve – não é longo, mas a graça do Bom Deus é algo extraordinário. É um verdadeiro milagre que acontecerá nesse momento, estejam certos disso.”

Sermão de Dom Lefebvre – Confirmações – 19 de outubro de 1975, Editions Saint-Remi, p.150.

“É obrigatório esclarecer qual a Graça especial do Sacramento, no qual se confere o Espírito Santo”.- Dom Lefebvre, A Bishop Speaks, tradução FSSPX- Portugal[1]

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I – INTRODUÇÃO

Como nota introdutória, devemos afirmar que em toda nossa produção intelectual (publicamente reconhecida e particular também) até o presente momento, este é o único tópico que nos dedicaremos estritamente em decorrência do estado de necessidade geral da Igreja diante da crise de autoridade magisterial que a assola desde o Concílio Vaticano II. Ou seja, se não fosse a circunstância geral gravíssima e extraordinária pela qual passa a Igreja, e seu estado de necessidade decorrente desta mesma crise, nós na condição de simples fiel não haveríamos de tratar do tópico que vamos apresentar a seguir.

Antes de justificar o porquê deste primeiro parágrafo, damos um esclarecimento prévio conexo com ele: Em todas as nossas outras produções, consideramos que quanto ao objeto dos assuntos que tratamos, em princípio não estaríamos fazendo essencialmente nada além do que nos seria assegurado por direito –mesmo em um estado de normalidade – enquanto simples fiéis, salvaguardadas as mudanças de circunstâncias e consequentemente o emprego dos meios adequados. Em princípio, a Igreja sempre reconheceu o trabalho de simples fiéis em temas de defesa da Fé, e até mesmo reconheceu trabalhos de exposição doutrinária desde que reconhecida e aprovada pela autoridade hierárquica competente.

O que a Igreja sempre zelou (dogmática e/ou canonicamente, inclusive) é que os fiéis católicos não realizassem “pregações” sem receber a missão canônica da Igreja para tal (como faziam os valdenses, condenados pelo Magistério eclesiástico), e que nunca fizessem interpretação particular da Escritura apartada do Magistério, assim como chegou a determinar canonicamente que os simples fiéis não entrassem em disputas públicas com não-católicos sem autorização da Santa Sé ou do Ordinário local em caso de urgência, normas que até o presente momento sempre observamos, com a devida epiqueia neste último caso já que se trata de lei positiva (que não obriga sob grave dano, nem obriga ao impossível de aplicar), para que se guarde ao menos o espírito da lei quando algo da sua letra já se mostra inabarcável em determinado contexto (mesmo que já tenhamos combatido com vigor os erros dos heréticos protestantes, espíritas, perenialistas estritos maometanos, budistas, hindus, maçônicos ou de outras sociedades secretas/discretas, e perenialistas mitigados).

Nos tempos atuais, o principal combate da Fé hoje é de natureza diversa, porque não se trata unicamente contra acatólicos declarados, inimigos externos da Igreja manifestos como tais, mas do bom combate da Fé contra a doutrina e o espírito liberal, neoprotestante, neomodernista e neognóstico que se infiltrou dentro da própria Igreja há pelo menos seis décadas, e que acomete suas mais altas autoridades como uma tendência corrosiva, como um câncer que não possui organismo próprio, que só pode se alastrar em outro organismo.

Neste contexto de crise de Fé e tentativas generalizadas de abalar o próprio cimento racional que confere motivo de credibilidade das verdades de Fé, todo soldado de Cristo, em virtude do seu caráter crismal, deve combater com os meios honestos disponíveis pela guarda da Fé, cujos inimigos não estão apenas fora da estrutura eclesial, mas principalmente dentro dela, para tentar erodi-la de dentro, como se especializou o neomodernismo triunfante no Concílio Vaticano II.

A Fé vem pelo ouvido, e os ouvidos pios de simples fiéis devidamente formados com serena e esclarecida convicção do seu catolicismo já foram ofendidos e o sensus fidei – sempre regido e condicionado pelo Magistério eclesiástico – destes mesmos fiéis certamente já apita há tempos. A verdadeira Fé se vê atacada por uma enxurrada de influências nocivas multicores, com várias tonalidades de erros, em praticamente todos os ambientes, principalmente os ambientes eclesiais e eclesiásticos.

Portanto, nós adentramos na condição de simples fiel principalmente no bom combate público contra os modernistas que se especializaram na habilidade de introjetar heresias no seio eclesial sem buscar sair de sua estrutura, de maneira que nosso embate contra estes heterodoxos não é jamais vedado pelo parágrafo terceiro do cânon 1325 do código de 1917. E mesmo quem se paute pelo novo codigo de 1983, verá que tal cânon fora retirado.

E mesmo que se leve em conta este cânon do código de 1917 como buscamos fazer (guardando seu espírito e tanto quanto possível sua letra, vital e realmente) há de se admitir uma justa epiqueia a seu respeito, e observá-lo à luz do seu parágrafo primeiro: 

“§1. Estão obrigados os fieis cristãos a confessar publicamente a Fé sempre que seu silêncio, tergiversação ou maneira de agir levaria consigo negação implícita da Fé, desprezo da religião, ofensa a Deus ou escândalo do próximo.”

Isto é, se todos os fiéis devem confessar publicamente a Fé sempre que seu silêncio, tergiversação ou maneira de obrar levem consigo uma negação implícita da Fé, desprezo da religião, ofensa a Deus e escândalo para o próximo, isto se vê potencializado em um contexto geral gravíssimo onde a doutrina da Fé é vilipendiada em praticamente todos os ambientes da vida pública e privada, inclusive por muitos daqueles que teriam por ofício primaríssimo confirmar na Fé o rebanho que lhe fora confiado. Se tal cânon deve deve ser realizado por princípio (jamais como uma “exceção”), mesmo em uma época normal, assumindo aplicações distintas relativas à condição e o estado de cada pessoa, faz-se de urgente necessidade observá-lo exemplar e idoneamente conforme a possibilidade em um período de ataque generalizado à Fé como é o tempo presente.

Este direito que em verdade é um dever se potencializa assumindo um caráter de preeminência em relação ao parágrafo terceiro, principalmente em decorrência da presente crise, uma vez que grande parte dos bispos sequer considera os heréticos e cismáticos como tais, e inclusive promove eventos ecumênicos condenados pelo Magistério tradicional. De modo que na maioria dos casos não faz sequer sentido pedir autorização para disputar com acatólicos a quem depôs sua autoridade doutrinal, e considera erroneamente parte considerável dos acatólicos como “cristãos”, admitindo “elementos eclesiais” na heresia e no cisma, ao invés de meros vestígios (que não assumem caráter eclesial), ou seja, restos de destruição, tal como ensina a doutrina tradicional. 

A própria autoridade que conferiria esta autorização legítima (de debater publicamente com acatólicos) não se verifica em ato, uma vez que adota o ecumenismo conciliar e o “diálogo irenista-interreligioso”, sem se preocupar com a conversão dos hereges, cismáticos e infiéis para a verdadeira religião, fora da qual não há nenhuma Salvação: O Catolicismo. De maneira que nosso trabalho geral se vê ampla e solidamente justificado pelo próprio Magistério tradicional – não apenas em razão do estado de necessidade, mas em si mesmo – na medida em que atacamos os erros em si mesmos de maneira predominantemente difusa (incluindo as doutrinas dos acatólicos) sem entrar ordinariamente a princípio em disputas diretas e públicas com acatólicos, mas aceitando predominantemente disputas públicas e diretas com heterodoxos modernistas, perenialistas ou no máximo sectários que se passam por católicos, ou seja, aqueles que ainda não foram solenemente declarados como acatólicos, embora já não professem objetivamente a doutrina de Jesus Cristo, deixando sua pertença à Igreja em estado precário.

Ainda que, em razão do parágrafo primeiro deste cânon, a defesa da Fé obrigatória a todo fiel exige que se combata publicamente os erros dos acatólicos (sejam infieis, apóstatas, cismáticos ou heréticos) mesmo que seja primeiramente de maneira difusa (e isto em qualquer época, sempre que necessário, estando a Igreja em crise de autoridade magisterial ou não), e também de maneira direta, em estado de necessidade, após o devido preparo, salvaguardando ao menos o espírito do parágrafo terceiro, quando não for mais possível observá-lo em sua letra, como é o caso agora. 

Agora adentrarmos no porquê de nossa afirmação inicial: Se até então, tudo o que produzimos e o que pretendemos produzir nos é assegurado ordinariamente por direito, como já pontuamos, o presente tópico em questão já nos surge apenas em razão do estado de necessidade grave diante da crise, e surge de maneira bastante diversa do conteúdo essencial dos outros temas que até agora tratamos.

Nós muito dificilmente (para não dizer “nunca”) teríamos de abordar este presente assunto em um estado minimamente normal da Igreja, aliás, este assunto nem seria algo para se tratar por um simples fiel, pois uma questão envolvendo a disciplina dos Sacramentos e suas condições de instituição é de matéria propriamente eclesiástica, e a questão envolvendo sua recepção envolve sobretudo a prudência eclesiástica.

A mesma prudência eclesiástica envolve esta questão também, não obstante, desta vez é em referência a algo que concernente a todos os leigos, de modo que a todos interessa saber e atuar em consequência conforme for necessário, sendo sempre com base neste critério (que não prescinde da justa prudência eclesiástica) que iremos basear este trabalho, deixando manifestamente claro que o desenvolvimento deste assunto a ponto de buscarmos dar uma resolução especulativa satisfatória, nós o fazemos sempre por nossa própria conta, não sem sólidas fontes de referência (ainda que poucas, porque foram pouquíssimos os que encararam a questão, e não conhecemos ninguém até agora que houvesse resolvido a questão no âmbito em que abordaremos), jamais de maneira autorreferenciada, pois de nada valeria se assim fosse. Abominamos qualquer invencionice em matéria doutrinal. Diante de tal circunstância e da natureza do tema que concerne a algo comum a todo fiel católico, nós nos vemos de certa maneira obrigados “ex-Charitate” segundo nosso estado de simples fiel e conforme nossa possibilidade, a abordar o presente assunto em torno dos Sacramentos, buscando resolver uma questão específica surgida em decorrência da própria crise da Igreja desde o Concílio Vaticano II e do que dele se sucedeu.

Reiteramos que não se trata jamais de uma questão frívola, nem é jamais nosso intuito emitir nenhuma opinião singular oposta ao ensinamento dos Santos Padres, nem sequer novidades suspeitas. O assunto é sui generis e inédito (mas veremos que nem tanto), e exige uma abordagem correspondente à sua natureza, sempre amparado nos princípios de teologia regulados pelo Magistério. 

Esclarecido isto, passaremos a tratar justamente sobre algo concernente ao Sacramento que nos capacita enquanto simples fiéis para defender as coisas sagradas e sobretudo defender o próprio Autor de toda santidade, enquanto soldado de Cristo: O Sacramento da Confirmação. O presente estudo analisa a validade e a legitimidade da nova fórmula do Sacramento da Confirmação adotada no rito reformado pós-Concílio Vaticano II e sua tradução ao português (e também em outras línguas). A investigação se dá a partir das sentenças do Magistério eclesiástico, e dos princípios tradicionais da teologia dogmática e sacramental (dois capítulos de uma mesma ciência, jamais partes subjetivas), considerando, além da matéria e da intenção, principalmente a questão da forma sacramental, e suas implicações teológicas, bem como a natureza do Magistério conciliar e suas implicações nas leis litúrgicas.


[1] Disponível em: https://www.facebook.com/share/173iHGT715/?mibextid=wwXIfr

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