por Pedro Guilhon
1 INTRODUÇÃO
Em relação ao direito obrigacional contemporâneo, em especial ao Código de Defesa do Consumidor (CDC), não nos parece equivocado afirmar que, em muitos aspectos, ele está retornando a noções e soluções que seriam aceitas com facilidade pelos medievais, como a noção de justo preço (MACEDO JÚNIOR, 2015b)[1], as quais os civilistas do século XIX estranhariam, todavia, como espúrias e prejudiciais ao sistema da liberdade contratual e da autonomia da vontade (MORAES, 2017b, p. 1027).
Em direção a este parecer, um dos acontecimentos mais importantes no direito obrigacional do pós-Segunda Guerra Mundial quanto a direitos fundamentais foi o regresso, de certo modo, da jurisprudência ao princípio da equivalência/igualdade material. A razão disto é a de que tal equivalência material, que informou, em 1990, as concepções de solidariedade, de socialidade e da cláusula rebus sic stantibus, no CDC, tal equivalência material pode ser equiparada, respeitados os devidos matizes[2], à igualdade da justiça comutativa de Aristóteles e Santo Tomás de Aquino.
De acordo com Morais e de Melo (2020, p. 33-34), a correlação entre ambas é reforçada pela influência de conceitos aristotélico-tomistas para a criação da noção de igualdade material, pois eles foram importantíssimos à formação da teoria geral dos contratos a partir do séc. XIV, a qual já prefigurava a cláusula rebus sic stantibus, fruto da igualdade material; nada obstante a referida teoria ter sido resistida, dentre os séculos XVIII e XIX, em prol de um direito individualista, formalista e predominantemente negativo (liberdade de locomoção, de expressão, liberdade de pactuar).
O motivo para dita influência foi o de que somente depois de dois séculos da tradução da Metafísica e da Ética a Nicômaco, de Aristóteles, ao latim, como também da aplicação da filosofia aristotélica à Teologia por Tomás de Aquino, que os pós-glosadores – especialmente os juristas italianos do século XIV Bartolus e Baldus – foram capazes de continuar e elaborar não apenas uma sinopse do Direito Romano dos Contratos, mas uma teoria geral dos contratos própria a partir dos conceitos aristotélico-tomistas de justiça comutativa, substância e acidentes, assim como das definições de causa final, causa formal, causa material e causa eficiente; mas também, ainda, acreditamos, da noção metafísica de essência, pois indissociável daquelas de substância e acidentes.
Em razão do exposto, em nosso trabalho, começaremos a falar sobre porque Santo Tomás de Aquino poderia ser, a nosso ver, o caso central de fundamentação ética do CDC a partir de um breve debate filosófico entre o tomismo e outras correntes teóricas: o platonismo, o aristotelismo, o kantismo/neokantismo, o utilitarismo e o habermasianismo. Debate, este, onde se perceberá que o tomismo aparenta ter todos os pontos positivos destas correntes ao mesmo tempo em que não padece de suas limitações no tocante à formação ética do fornecedor e à proteção do consumidor.
A fim de melhor esclarecer a pretensão de nosso artigo, desenvolvemos ainda a correlação filosófica entre a igualdade material do CDC para com a igualdade da justiça comutativa aristotélico-tomista. Mais precisamente, desenvolvemos a correlação desta para com os princípios daquela, dentre os quais, a título de ilustração, o de solidariedade – e de sociedade participativa, Estado Democrático de Direito e pluralismo jurídico, seus elementos constituintes – bem como os princípios da socialidade e da cláusula rebus sic stantibus.
Tratamos, para o mesmo fim do artigo, ainda, da aplicabilidade da doutrina das quatro causas na compreensão da jurisdição consumerista e no discernimento pelo uso das tutelas coletivas da parte do legitimado ativo. Na mesma toada, abordamos também o uso das noções de essência, acidentes e substância não só como necessário para a correta compreensão e aplicação do princípio da isonomia, como ainda para o entendimento acerca dos diferentes tipos de consumidores e tutelas abarcados pelo Código de Defesa do Consumidor.
Enfim, a partir da recapitulação, do resumo do desenvolvimento, e da elaboração de desdobramentos, dos pontos anteriores, concluiremos pela razoabilidade de um estudo mais profundo do uso do Aquinate como uma base teórica ainda válida, e de um estudo de sua adoção como principal base teórica, para a compreensão e implementação do Direito do Consumidor em nosso país.
2 SANTO TOMÁS DE AQUINO COMO O CASO CENTRAL DE FUNDAMENTAÇÃO ÉTICA DO CDC
Escolhe-se Santo Tomás de Aquino, em contraposição a Platão e Aristóteles, tal qual o caso central[3] em virtude de Aquino ter sido o primeiro pensador a sistematizar expressamente um tratado dos primeiros princípios da moralidade (HERVADA, 2006, p. 27), referentes aos bens humanos básicos, universais e fins da ação moral (matrimônio, religião, conhecimento, dentre outros), conforme Finnis (2007a, p. 36-37)[4].
Elegeu-se Aquino sobre o Ateniense e o Estagirita ainda em virtude da melhor articulação tomista de tais primeiros princípios em relação a destes pensadores (FINNIS, 2007a, p. 34; 2007b, p. 43). Vale dizer que Tomás, para esta meta, contudo, aproveitou de todas as informações relevantes, mesmo que dispersas, já existentes até sua época e referentes a estes princípios (HERVADA, 2006, p. 35), inclusive a dos dois pensadores mencionados.
Preferimos Aquino em comparação a Aristóteles, mais especificamente, porque, com base em Celano e Dierksmeier (2012a, p. 250), afirmamos que o Estagirita não deu a devida importância à presença de primeiros princípios auto-evidentes[5] da moral como guia para as ações de toda e qualquer pessoa minimamente madura e racional; pois são o mínimo necessário para que uma ação seja inteligível, ainda que não totalmente moral[6] (FINNIS, 2007b, p. 43 e 108).
Aristóteles, mais precisamente, negligenciou tais princípios primeiros em função de sua ênfase no bem moral enquanto julgamento pessoal, e não como conhecimento; julgamento, este, que se demonstraria alicerçado no parecer universal de todo e qualquer homem sábio (ex: toda pessoa sábia, na situação X decidiria Y) (CELANO ; DIERKSMEIER, 2012b, p. 250).
Esta consideração aristotélica, apesar de válida no campo prático, contudo, não nos ajuda tanto a saber quais são os bens humanos que devem ser buscados e realizados sem a complementação do pensamento prático tomista, mais precisamente pela sua ênfase nos primeiros princípios imutáveis que guiam racionalmente todo agir humano, ainda que não plenamente moral, segundo Finnis (2007a, p. 38-39)[7].
De outro lado, prefere-se Santo Tomás a Kant porque:
Contra uma primazia ou posposição […] kantiana ou neo-kantiana [sic] das “estruturas da mente”, Tomás de Aquino diria que, assim como a constrição da razão articulada no princípio de não-contradição tem sua fonte na estrutura da realidade – na real oposição entre o ser e o não ser-[sic], da mesma forma, a fonte da equivalência do primeiro princípio prático é a desejabilidade real dos bens inteligíveis e a indesejabilidade do que não é bom (FINNIS, 2007a, p. 34, grifo do autor).
E ainda porque:
De encontro à suposição de Kant, de que, desde que os fins por meio dos quais alguém deseja agir são subjetivos, porque dados (como Hume propôs) por seus desejos sub-racionais, a função da razão prática é limitar e canalizar a sua perseguição daqueles fins, Tomás de Aquino considera que a primeira e a fundamental operação da razão prática não é limitar, nem confinar ou negativa, mas antes disso, facilitar e positiva: encontrando e construindo fins inteligíveis para serem perseguidos (prosequenda) e que tornam inteligível nosso comportamento (FINNIS, 2007a, p. 39, grifo do autor).
Ao mesmo tempo, a visão do bem moral de Aquino é mais operativa e mais inspiradora do que a ética do dever de Kant, em especial aos fornecedores. Embora o cumprimento das funções deontológicas esteja no cerne da conduta profissional de negócios (de auditores, contadores, membros do conselho), a complexidade da vida empresarial exige ir além de protocolos e padrões rígidos (BACIEJ, 2012a, p. 7).
Segundo Baciej, o motivo para tanto é o de que se mostra preciso fazer mais do que simplesmente cumprir seus deveres para se tornar um executivo de destaque, por exemplo. Em outras palavras: quando alguém olha para a própria ocupação através das lentes kantianas, se vê responsabilidades, direitos e deveres. Todavia, quando se olha através das lentes de Aquino vê-se mais do que isto: um chamado, um propósito e uma fonte de realização pessoal.
Tomás de Aquino preveria ainda a fraqueza da visão utilitarista do bem moral. Aquino (apud BACIEJ, 2012a, p. 6) ressaltaria, para tal, o fato de a bondade de uma ação não ser causada apenas pela bondade de seus efeitos, como o quer o utilitarismo, e isto tendo em guisa que o valor ético de uma ação é determinado não apenas por suas consequências, mas também por sua matéria moral (o quê) e seu fim moral (para quê).
Não há dúvida de que o utilitarismo, que se concentra nas consequências de uma ação, demonstra-se útil, pontua Baciej, até certo ponto na tomada de decisões sólidas em situações de negócios complexas, tais quais: alocação de recursos escassos, investimento estratégico, diálogo com as partes interessadas (stakeholder dialogue) e em casos de soma zero[8].
Nem todas as decisões de negócios, no entanto, podem ser reduzidas a um mero cálculo de custos e benefícios. É por isto que a corrupção, as condições de exploração e os salários simbólicos (token wages) são práticas comerciais inaceitáveis, embora pareçam favorecer um bem maior (de mercado) para o maior número (consumidores globais).
A regra de ouro da ética tomista (“trate os outros como gostaria de ser tratado”) obriga, em contrapartida, que as empresas (em especial, para o Direito do Consumidor, as fornecedoras de bens e serviços de mercado) tratem os funcionários, clientes e outras partes interessadas (stakeholders), a título de ilustração, com a devida dignidade e respeito, o que não depende do cálculo das consequências (BACIEJ, 2012a, p. 7).
Aquino também criticaria, a nosso ver, o convecionalismo da “ética discursiva” em Jürgen Habermas, o qual busca padrões éticos mínimos através unicamente de costumes, acordos, pactos, entre pessoas e nações, entretanto não em bens substantivos e universais, como o Aquinate, tal qual se depreende da exposição de Bohman e Regg (2017a):
As afirmações de verdade e retidão são, em contraste, suscetíveis à justificação argumentativa em sentido próprio, por meio do que Habermas chama de “discursos estritos”. Como ele primeiro analisou os discursos ligados a estes dois tipos de validade (1973a), eles tinham muito em comum. Embora os tipos de razões diferissem – o discurso moral baseava-se principalmente em interpretações de necessidades, o discurso teórico-empírico sobre induções empíricas – em ambos os casos, as razões relevantes deveriam, em princípio, ser aceitáveis para qualquer agente razoável. No caso de afirmações de verdades empíricas, esta pressuposição de consenso no nível do processo repousa na ideia de que o mundo objetivo é o mesmo para todos; no caso da retidão moral, repousa na ideia de que regras e princípios morais válidos valem para todas as pessoas. Em ambos os casos, o público apropriado para o teste das reivindicações é universal, e ao fazer uma reivindicação de verdade ou retidão, alguém contrafactualmente pressupõe que um consenso universal ocorreria, se os participantes fossem capazes de perseguir um discurso suficientemente inclusivo e razoável por um período suficiente de tempo. Embora suas primeiras declarações sejam um tanto obscuras, em uma leitura Habermas definiu não apenas a retidão moral, mas também a verdade empírica em termos de tal consenso ideal (semelhante a C. S. Peirce). Ele atualmente distingue ainda mais a verdade da retidão moral, definindo a última, mas não a primeira, em termos de consenso idealizado […] (grifo nosso, tradução nossa)[9].
As convenções, pactos, acordos, se revelam, porém, de fundamental importância para a demarcação de limites e critérios morais, ainda mais considerando, como Tomás considera, que a Moral e o Direito versam sobre a vida humana enquanto imersa em uma multiplicidade de casos contingentes, nada obstante as constantes presentes na vida moral e jurídica (HERVADA, 2006, p. 39 e CELANO ; DIERKSMEIER, 2012b, p. 249-250); casos, estes, nos quais a cultura e, em um contexto globalizado, as culturas tentam instanciar os bens básicos de modos razoáveis[10].
O que nos impele a criticar dito convencionalismo é, nada impeditivo, o de que ele acaba por acarretar em um objetivismo (noção de que há uma verdade objetiva universal ou um conjunto de verdades desta estirpe) e em um relativismo (conjunto de doutrinas que estabelecem que a concepção de verdade é sempre relativa ao sujeito ou aos sujeitos) em sentido fraco, e, com efeito, incapazes de dar uma fundamentação imutável e segura às pactuações.
Outra razão também se nota na impossibilidade deste convencionalismo de responder aos problemas oriundos de convenções que, com apoio das formalidades legais ou mesmo contra a validade e a justiça da lei, atentam contra direitos básicos, os quais podem ser chamados de naturais[11], por parte daqueles que deveriam salvaguardá-los por força daquela falta de uma fundamentação imutável.
A título de ilustração: um tipo de convenção atentatória aos direitos básicos se averigua, na atualidade, em questões consumeristas, na jurisprudência já bastante consolidada que trata as pretensões do consumidor, em especial de dano moral, como “mero aborrecimento” ou “mero dissabor”, jurisprudência chamada de indústria do “mero aborrecimento” (DE OLIVEIRA, 2016).
Com esteio no que já fora dito, o convencionalismo habermasiano se mostra, portanto, desinteressante como paradigma ético para o Direito do Consumidor, ainda mais considerando a necessidade de proteção ao consumidor custeada pelo princípio da igualdade material, como veremos a seguir.
3 A IGUALDADE DA JUSTIÇA COMUTATIVA ARISTOTÉLICO-TOMISTA E SUA RELAÇÃO COM OS PRINCÍPIOS DO CDC
Em primeiro lugar, a justiça comutativa ou corretiva é, segundo Aristóteles e Aquino, a que propõe que as relações bilaterais, as relações entre particulares e algumas relações que envolvam particulares e o estado[12], devam ser pautadas pelo ideal de paridade de perdas e ganhos decorrentes (MORAIS; DE MELO, 2020, p. 35).
Atenta contra a justiça comutativa, destarte, qualquer pacto ou contrato que implica em prejuízo e ônus excessivos a uma das partes. Sugere o Estagirita, então, que o reajuste possa ser feito pela pessoa do juiz ou pelas partes, a quem cabem restabelecer o equilíbrio do negócio.
O juiz restabelece a referida igualdade, afirma ainda Aristóteles, tratando os direitos em pauta em um panorama no qual as coisas se dispusessem como em uma linha dividida em dois segmentos desiguais, subtraindo o magistrado a parte excedente à metade, e acrescentando a última ao segmento menor.
Caso haja uma divisão justa, as partes dirão – supondo, por certo, que elas sejam razoáveis – que possuem aquilo que lhes pertence. O igual se revela, assim, no meio termo entre a linha maior e a menor de acordo com a proporção aritmética (soma zero).
Vale mencionar, entretanto, que a igualdade a ser buscada no direito sucede, para os dois pensadores citados, naquilo que é devido a cada parte – em um contrato, digamos – ou seja, que cada parte tenha igualmente o que lhe é devido, não sendo o devido, contudo, aquilo que é necessariamente e materialmente idêntico para cada uma, como se deduz do seguinte:
O fato do direito ser o igual quer dizer duas coisas: primeiramente, que o que é dado pela ação justa deve ser igual ao devido; e, em segundo lugar, que o devido é o adequado ou proporcional ao titular, isto é, ao credor de uma relação de justiça. O que significa que, em suma, o direito é o proporcional e o adequado – ajustado – a seu titular (HERVADA, 2008, p. 144, grifo nosso).
E, por conseguinte, do seguinte:
[…] as coisas que se permutam devem ser iguais ou, mais precisamente – pois o normal é que se trate de coisas de natureza diversa –, devem ser equivalentes, ou seja, de igual valor; ambas as coisas devem se ajustar naquilo que conta nas permutas, que é o valor das coisas (HERVADA, 2008, p. 148, grifo nosso).
Esta característica nos permite, então, levar em consideração as circunstâncias em que a situação jurídica e seus agentes se envolvem – e, assim, não apenas o credor, mas também o devedor, pois ambos são titulares de direitos e deveres entre eles – circunstâncias, tais, que muitas vezes exigem que se trate uma parte de forma diferenciada dentro do próprio negócio jurídico (tal qual o contrato).
Já de início, percebe-se, assim, que a igualdade/equivalência material, tal como consta no CDC, se revela latente na teoria ética e jurídica do Aquinate e do Estagirita, haja vista que a referida igualdade aqui, assim como no Código do Consumidor, possui um duplo aspecto que a impede de se apresentar de modo abstrato, em sentido absoluto, nos casos concretos: as desigualdades jurídicas de tratamento e a isonomia.
As desigualdades jurídicas de tratamento são criadas em face da vulnerabilidade (art. 4º, inciso I, CDC) do consumidor, da inferioridade fática e econômica do consumidor em relação ao fornecedor, isto é, no tocante ao conhecimento e ao controle dos meios de produção e propagação de bens e serviços de consumo. Estas desigualdades acontecem a partir de uma série de instrumentos jurídicos que visam equiparar materialmente, tanto quanto possível, o consumidor ao fornecedor (princípio da vulnerabilidade).
Dentre vários dos mencionados instrumentos, encontra-se a disponibilidade do instituto da responsabilidade civil em favor do consumidor: partindo do princípio da boa-fé objetiva existe uma presunção de veracidade[13] do consumidor, o que desemboca no fato de que, ao invés de subjetiva, como no Direito Civil, aqui a responsabilidade é objetiva, pautada na teoria do risco objetivo, como ilustrado no art. 8°, CDC, bastando ação ou omissão, dano ou risco de dano e nexo causal para configurar a responsabilidade do fornecedor.
A supracitada diferença de tratamento pode também se apoiar no princípio da hipossuficiência, que se aplica em uma situação de inferioridade técnica-jurídica do consumidor em relação ao fornecedor, o qual contaria com mais respaldo nesta seara quando se verifica que um advogado não é o consumidor, mas uma pessoa de pouca instrução, que por isto merece ter o acolhimento de um pedido de inversão do ônus da prova (art. 6º, inciso VIII, CDC).
Ainda quanto aos sobreditos instrumentos, a vulnerabilidade do consumidor possui amparo também no princípio da ampla e efetiva reparação de danos, presente no art. 6º, inciso VI, CDC; o qual dispõe que o fornecedor, na prestação de bens e serviços, deve assumir todos os riscos desta prestação e ser imputado por todos os danos dela decorrentes; logo, evitando que o consumidor, a parte mais fraca, assuma o ônus pela atividade do fornecedor, porque é o último quem tem controle sobre os meios e as etapas de produção e/ou distribuição dos bens e/ou serviços.
A respeito da isonomia de tratamento, ela estabelece que se deva, nas relações de consumo, tratar os iguais de modo igual e os desiguais de modo desigual no tocante aos direitos pleiteados e em consideração à situação concreta de cada parte envolvida. Destarte, a isonomia exige que haja diferentes modelos de tutela (individual, coletiva em sentido estrito, individual homogênea e difusa) e de responsabilidade a depender do tipo e do grau de importância de um bem jurídico atingido ou posto em risco.
Vejamos no campo das responsabilidades: a responsabilidade na frustração da expectativa sobre um celular por motivo da internet não funcionar (responsabilidade por vício de qualidade ou inadequação da tecnologia, art. 18 a 25, CDC) é diferente daquela oriunda da explosão de um celular e da consequente lesão à saúde do usuário, à sua incolumidade física (responsabilidade por um fato ocorrido, art. 12 ao 17, CDC).
Podemos perceber alguns pontos em comum com o CDC, também, ao visualizarmos a possibilidade, que tanto este Código como o pensamento aristotélico-tomista promovem, de uma sociedade participativa, de uma sociedade capaz de regular seus próprios rumos e gerir suas relações, e não só deixá-los indolentemente aos cuidados do estado. E isto ocorre por meio da estimulação e criação de espaços públicos, abertos ao debate, para a interação de diferentes segmentos da sociedade, aqui os consumidores e fornecedores, na composição da norma jurídica.
Veja-se, como um caso de fomento desta sociedade participativa, que o inciso III do art. 82 do Código do Direito do Consumidor situa como legitimadas em juízo, para defender os interesses dos consumidores ou das vítimas, as associações coletivas: aqui verifica-se que o Judiciário se torna um espaço concedido pelo estado para que a sociedade e seus membros possam efetivamente intervir na defesa de suas prerrogativas, mais precisamente de consumo.
Também se observa uma semelhança da doutrina aristotélico-tomista, através da possibilidade de as próprias partes reestabelecerem o equilíbrio do contrato, com o pluralismo jurídico do CDC, isto é, com o reconhecimento por parte do estado de outras fontes da norma jurídica e do direito que não só a estatal, mas não, em Aquino e Aristóteles, em sentido relativista ou convencionalista[14].
Tome-se como exemplar da mencionada semelhança o art. 107, CDC, que versa sobre ação coletiva, no qual atesta-se a concessão de poder normativo autônomo para o consumidor pelo estado, o qual permite, destarte, a uma associação coletiva realizar uma ação coletiva transigindo os âmbitos processual e legal no que se nomeia de convenção coletiva de consumo.
A razão para tal é a de que, sendo celebrada por entidades civis de consumidores e associações de fornecedores ou sindicatos de categoria econômica, a convenção coletiva de consumo poderia regular, por escrito, relações de consumo prevendo condições relativas a preço, à qualidade, à quantidade, à garantia e características de produtos e serviços, incluindo também à reclamação e composição de conflitos.
Relativamente à sobredita atuação do estado-juiz no Aquinate e no Estagirita, tal lição se encontra em harmonia com o CDC. Com efeito, como o Código, ela afronta quaisquer pretensões de que os princípios liberais da igualdade formal, da autonomia da vontade, da liberdade quanto à interferência estatal e da tradicional cláusula pacta sunt servanda[15] se configurem como absolutos, flexibilizando-os, então. Assim o é em função da consideração do estado de que a liberdade e a vontade do consumidor estão necessariamente viciadas[16], dada a situação de vulnerabilidade em que esse se encontra.
Dita relativização pauta-se no princípio da repressão eficiente aos abusos, o qual estabelece um dirigismo estatal sobre a atividade empresarial (art. 4º, inciso II, alínea “d”, e inciso VI, CDC) a fim de modelar o comportamento do empresário sob parâmetros éticos e, logo, conscientizá-lo da inferioridade econômica, e às vezes técnica (hipossuficiência), do consumidor no exercício da atividade empresarial; conscientização que, aliás, se dá antes ou depois da ocorrência de um abuso por parte do empresário fornecedor.
O princípio da repressão eficiente aos abusos se aplica, em especial, em três campos: no ambiente pré-contratual (oferta e publicidade); no ambiente pós-contratual (cobrança de dívidas e registro no cadastro de inadimplentes); e no ambiente contratual (dirigismo contratual pelo estado).
Uma amostra do último campo se encontra no art. 51, CDC, que permite ao estado intervir, aqui em âmbito contratual, na rescisão de cláusulas abusivas que tolham direitos fundamentais do consumidor, mesmo que tenham tido a anuência do mesmo consumidor.
A razão para tanto é a de que, para o consumidor, o único jeito de satisfazer as necessidades de consumo é, no geral, o de se submeter integralmente às disposições contratuais, tendo-se em mente que as relações de consumo comumente são pautadas em contratos de adesão, com base na lógica do “pegar ou largar” (take or leave it basis).
Para a proteção do consumidor, a parte mais fraca, o estado, então, criará, através da lei (CDC, Constituição da República Federativa Brasileira – CRFB), um programa ético-jurídico para gerir a atuação empresarial (como o constante no art. 4º, inciso III, CDC), mas não para dificultá-la, porquanto atua com vista a estabelecer a harmonia nas relações de consumo (art. 4º, caput, CDC), ou seja, a harmonização entre os princípios constitucionais da livre-iniciativa (art. 170, caput, CRFB) e da proteção ao consumidor (art. 5º, inciso XXXIII c/c art. 170, inciso V, CRFB), de modo a fazer com que o estado possa até mesmo servir de mediador entre conflitos nas relações de consumo.
Em outras palavras: o princípio da harmonização das relações de consumo busca efetivar a necessária igualdade constitucional entre os princípios supracitados. Ademais, o princípio da harmonia nas relações de consumo assim procede porque tem como fim precípuo, e em consideração ao fomento de uma sociedade participativa pelo CDC, a agregação, pelo estado, de consumidores e fornecedores em espaços públicos (nos Três Poderes) de debates contínuos, permanentes, para o aprimoramento da relação de consumo e das normas jurídicas de consumo.
O Estado se demonstra aqui, desta forma, e em contrariedade ao Estado Liberal, não-intervencionista, em um Estado, também não-intervencionista, porém dirigente e programático, e em um Estado Democrático de Direito. E isto porque tem em mira a interferência nos assuntos privados tão somente, a partir da averiguação de desigualdades materiais entre as partes, aqui o consumidor e o fornecedor, com o escopo de promover a justiça na forma do bem comum não só às partes do contrato, como, em última instância, o bem comum da sociedade (princípio da socialidade).
O Estado também se apresenta como Democrático de Direito, de acordo tanto com o CDC quanto com os princípios aristotélico-tomistas, na medida em que tem como premissa o reconhecimento da sua incapacidade política de gerir todos os conflitos, em especial os da pós-modernidade; oriundos da crise da esperança na razão científica no pós-Guerras e pelo advento do relativismo e do niilismo em âmbito cultural, moral, religioso. Então, diante deste reconhecimento, o Estado aceita o compartilhamento de sua autoridade política-jurídica, como já demonstrado alhures.
Com esteio na referida justiça comutativa, resta claro que o surgimento de um fato imprevisível e extraordinário após a ocorrência de um pacto não pode ser suportado em sua onerosidade por apenas uma das partes, enquanto a outra se beneficia. É imperioso que o negócio seja reajustado ou resolvido, seja pela própria inciativa das partes, seja pela atuação jurisdicional.
Comprovada a correlação do princípio da igualdade material e da igualdade da justiça comutativa aristotélico-tomista, se justifica, assim, a existência implícita no pensamento dos dois filósofos mencionados, destarte, da cláusula rebus sic stantibus[17].
Dita correlação, adjunta aos princípios dela decorrentes, pode ser, então, o fundamento de disposições contemporâneas acerca da rebus sic stantibus: em especial no Direito do Consumidor a partir da possibilidade de modificação das cláusulas de contratos de consumo que estabeleçam prestações desproporcionais ou de sua revisão em face de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas (CDC, art. 6º, inciso V).
A cláusula em discussão se revela, pelo que já fora pontuado, como uma manifestação do princípio da isonomia, uma vez que busca tratar os desiguais com desigualdade, no caso, o consumidor, em face de eventos inesperados e adversos que tornem o cumprimento do contrato de consumo altamente custoso para o mesmo consumidor.
Tal elo, nas tutelas consumeristas, entre as duas igualdades e entre estes dois princípios (rebus sic stantibus e isonomia), nada obstante, só se demonstra possível graças às terminologias aristotélico-tomistas de substância, essência e acidentes, especialmente nas tutelas individuais homogêneas, que, como as outras tutelas e os tipos de consumidores nestas imbricados, também podem ser apreciadas pela perspectiva da teoria das quatro causas mencionada no início.
4 AS NOÇÕES ARISTOTÉLICO-TOMISTAS DE QUATRO CAUSAS, SUBSTÂNCIA, ESSÊNCIA E ACIDENTES, E AS VÁRIAS MODALIDADES DE TUTELA E DE CONSUMIDORES NO CDC
Na teoria da causalidade do Aquinate e do Estagirita (apud LEGGE, 2019), observamos a seguinte classificação das causas: i) causa material, concernente à constituição de algo, do que este algo é feito; ii) causa formal, relacionada à forma universal ou essência inteligível de algo, o que faz este algo existir de um determinado modo e não de outro; iii) causa eficiente, referente ao agente responsável por algo existir; e iv) causa final, relativa à finalidade de algo existir.
Já no Código de Direito do Consumidor, vemos, por sua vez, a possibilidade de tutela de interesses individuais e coletivos, e percebemos ainda a concreção dos direitos coletivos em três espécies de tutela coletiva ou especial, com as seguintes caraterísticas:
Tutela difusa:
a) Tutela de caráter abstrato: diz respeito ao interesse que corresponde a todos nós ao mesmo tempo, pois todos somos consumidores. Leva em consideração não só a lesão efetiva, como também a potencialidade lesiva da conduta de um fornecedor contra a coletividade exposta, não se restringindo, desta forma, aos efeitos reais daquela conduta para a reparação dos danos.
b) Indeterminabilidade dos titulares: em virtude da dispersão dos consumidores, porque somos todos nós ao mesmo tempo. Não há litisconsórcio[18].
c) Objeto indivisível: não pode ser instrumentalizado de maneira individual, concreta e determinada, tendo em mente que os efeitos desta tutela devem ser iguais, homogêneos, gerais.
Ex: anúncio de um medicamento, que induz à automedicação, gera uma série de problemas de saúde para vários consumidores e deixa inúmeros outros em risco.
Tutela coletiva em sentido estrito:
a) Tutela jurídica de caráter concreto: há a existência de relação jurídica base, pré-existente, entre consumidor e fornecedor, que pode ser uma relação formal (assinatura de um contrato para se tornar sócio de um clube) ou material (compra de cachorro-quente em uma lanchonete).
b) Determinabilidade dos titulares: de modo a se saber quem é o sujeito passivo, quem é o sujeito ativo, e de modo a permitir litisconsórcio.
c) Objeto indivisível: é igual para todos os envolvidos.
Ex: alunos de uma faculdade que não podem receber o diploma porque esta faculdade lhes ocultou a falta de autorização do MEC (Ministério da Educação) para a realização das funções desta.
Tutela individual homogênea:
a) Tutela jurídica de caráter concreto: alicerçada em uma relação jurídica base, pré-existente. É uma tutela individual e coletiva porque em origem é individual, haja vista que trata de direitos pessoais e subjetivos, porém que pode vir a ser coletiva por recomendação do CDC, devido à noção de que a via coletiva teria efeitos pedagógicos maiores do que a individual. No entanto, a tutela individual se torna coletiva quando um dos legitimados extraordinários (art. 82, CDC) assume o caso, porquanto em tese os legitimados extraordinários teriam a melhor estratégia em via coletiva.
b) Determinabilidade dos titulares: há fruição individual e concreta do direito. Pode haver litisconsórcio.
c) Objeto divisível: é a única que admite fracionamento do objeto, divisibilidade do objeto.
Ex: acidente envolvendo um ônibus de empresa de turismo e um caminhão mata uma pessoa, deixa um trauma psicológico em um passageiro e ferimentos leves em outro.
Esclarecidos estes pontos, vejamos como a teoria das causas acima subsiste nas situações do Direito do Consumidor e como pode ser utilizada para escolher entre a tutela difusa e as demais tutelas coletivas, como também entre a coletiva em sentido estrito e a individual homogênea.
O juiz, quando for analisar o pleito, de sua parte avaliará os fatos ocorridos, narrados da perspectiva do autor da ação (consumidor) e do polo passivo (fornecedor), e relativos ao pedido, para descobrir, após uma ponderação sobre os elementos probatórios, se realmente há uma adequação daquilo que o autor pede com a previsão legal que determina o direito; ou, em outros termos, o juiz, para tal fim, analisará a questão da causa material do pedido.
Para que o legitimado ativo, extraordinário ou não, de outro lado, saiba se há de aplicar ou não a tutela difusa, ele deverá observar o pedido da ação – ou seja, sua causa final; ao passo que para se discernir se deve entrar com uma tutela coletiva em sentido estrito ou individual homogênea, ele terá de averiguar se o consumidor poderia entrar com uma ação individual para obter o acolhimento do pedido – o que significa que o legitimado terá de atentar, para tanto, à causa eficiente e à causa formal do pedido.
No tocante às noções de substância, essência e acidentes, elas se encontram claramente presentes na tutela individual homogênea e no conceito de consumidor bystander, mas também, como dissemos, no princípio da isonomia. Contudo, antes de descrevermos como isto sucede, faz-se mister entender o que significam estas noções.
Segundo Carlos Nougué (2015c), a substância é, em sentido filosófico, o substrato primário e fundamental do ser e que é o sujeito dos acidentes; como também, vale mencionar, “das potências, do histórico do ser ou mudança e do movimento” (HERVADA, 2008, p. 296). Em miúdos, a substância é aquilo, diz ainda Nougué, que tem o ser e a essência em si mesmo.
A substância é, para Aquino, assim depreendemos de Scherer (2021a, p. 233), na verdade, o próprio ser ou ato de ser (actus essendi) que, no homem e nos demais seres materiais, ultrapassa e comporta a essência e os acidentes; mas que ainda assim se revela imanente nos seres ou entes, apesar da sua origem transcendente em Deus mesmo.
A essência é, de outro lado, aquilo que responde a quididade ou o que é tal coisa (NOUGUÉ, 2015c). A essência se constitui no que há de mais estruturalmente universal e imutável no ser de algo, e, por conseguinte, a essência é aquilo que caracteriza, define, o ser de tal ou qual modo e não de outro (HERVADA, 2008, p. 334).
Como prova disto, veja-se que a essência do homem é a de animal (substância vivente, sensível e semovente, mas não uma besta[19] como os outros animais semoventes) racional, fato que é o mesmo em todos os lugares e em todos os tempos.
Os acidentes são, por seu turno, aquelas coisas que não têm o ser nem a essência em si, tal qual a substância, todavia em função desta mesma substância (NOUGUÉ, 2015c), e que representam as particularidades, as variações históricas e sensíveis, apresentadas por um ente, conforme Hervada (2008, p. 334). Por exemplo: a apresentação, por um ente, do sexo masculino ou feminino, da cor parda ou amorenada, de 30 anos ou 70 anos.
Esclarecidas tais noções, a respeito de sua aplicação nas tutelas coletivas, percebe-se que a coletiva em sentido estrito contém a substância, tendo em mente que é a que melhor expressa concretamente o caráter coletivo das tutelas, graças à tutela jurídica concreta, à determinabilidade dos titulares e à indivisibilidade do objeto.
A tutela difusa demonstra, de modo claro, a essência das tutelas coletivas, devido ao fato dela conter aquilo que de mais universal, todavia mais estruturante em sentido formal, aparece nas tutelas coletivas, dada a sua tutela abstrata, indeterminabilidade dos titulares e seu objeto indivisível.
A tutela individual homogênea é, a seu turno, uma tutela coletiva por acidente relativamente às outras duas e essencialmente subjetiva; haja vista que nada obstante a sua tutela de caráter concreto e a determinabilidade dos titulares, mas também em função destes, sua matéria não precisa ser tratada de forma necessariamente coletiva por versar sobre direitos individuais e pessoais (objeto divisível), coletivizados tão somente a partir da manifestação dos legitimados extraordinários.
Quando as noções aristotélico-tomistas em questão são inseridas no contexto das várias espécies de consumidor, nota-se que o conceito essencial de consumidor é o de coletividade exposta (art. 29, CDC) em virtude de tratar da noção mais universal e abstrata, mas assim como a tutela difusa, em relação a qual a coletividade exposta é titular, a mais estruturante em sentido formal.
Os consumidores destinatários finais de uma relação de consumo (art. 2º, CDC), por seu turno, referem-se a um conceito que demarca a substância do consumidor, porquanto tal conceito concerne às instanciações concretas do conceito essencial, compreendidos, desta forma, os acidentes dos vários casos concretos possíveis (crianças, adultos, homens, mulheres). Tais consumidores podem ser titulares tanto de tutelas coletivas em sentido estrito quanto de tutelas individuais homogêneas, a depender do pedido da ação, ou melhor, se o objeto desta é divisível ou indivisível.
Já o consumidor “transeunte”, bystander (art. 17, CDC), se revela como um consumidor por acidente em relação aos consumidores destinatários finais e à coletividade de consumidores, devido ao consumidor bystander ligar-se a um conceito por equiparação que depende de um abuso ocorrido com o consumidor destinatário de um serviço final, em uma relação prévia de consumo, para poder ser, assim, considerado consumidor, e enquadrado na mesma relação de consumo, e, daí, para que o bystander tenha iguais direitos na seara da ação coletiva junto dos consumidores destinatários.
A fim de entender melhor o que é o consumidor “transeunte”, observemos o clássico paradigma da queda de um avião: um homem que sofre, no caminho para o trabalho, lesões corporais graves pela queda de um avião, assim como os passageiros que sofreram danos do tipo ou outros, terá, em virtude destes, o direito de integrar e ingressar com uma ação coletiva concernente à relação prévia de consumo entre os passageiros e a empresa de serviços aéreos responsável pelo avião, mesmo não tendo sido destinatário do serviço desta empresa.
Em função de tudo o que fora dito, e ainda alicerçado na situação anterior, logo verifica-se que o bystander pode apenas ser titular ordinário de tutelas individuais homogêneas ou de tutelas individuais ao fitarmos que o pedido de sua ação é destacável dos, e divisível em relação aos, demais pedidos de uma eventual ação coletiva dos passageiros; decisão de coletivização, esta, que depende do aval dos legitimados extraordinários para efetivar-se, vale lembrar.
A partir do exposto, em especial através da consideração acerca da tutela individual homogênea e dos já referidos tipos de tutela material coletiva, resta cristalino que o princípio da isonomia pode se beneficiar, ontologicamente, das noções de substância, essência e acidentes para a sua concreção, já que a partir destas se pode melhor delimitar, para a correta aplicação do direito, o que é igual, o que é semelhante e o que é diferente em cada caso a fim de tratar os iguais com igualdade e os desiguais com desigualdade, qual seja o caso do princípio rebus sic stantibus.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não é equivocado afirmar que o princípio da socialidade, da busca pelo bem-estar social, que inspirou a construção do Código de Direito do Consumidor (CDC), já se mostrava também, de certo modo[20], presente na obra do Estagirita e em Aquino, como desdobramento possível da igualdade da justiça corretiva ou comutativa em ambos os pensadores.
A razão para tanto é a de que o princípio da socialidade é decorrente da igualdade ou equivalência material, que está, como observamos, também presente implicitamente na igualdade da justiça corretiva aristotélico-tomista. Logo, tal igualdade se vincula com os outros princípios decorrentes da equivalência material: vulnerabilidade, isonomia, boa-fé objetiva, ampla e efetiva reparação aos danos, hipossuficiência, repressão eficiente aos abusos e harmonia das relações de consumo, todos presentes no CDC.
Dentre os mencionados princípios, do Código de Defesa do Consumidor, verificou-se que tal igualdade se identifica ainda com a cláusula rebus sic stantibus e com o princípio de solidariedade e com os elementos constitutivos deste: sociedade participativa, pluralismo jurídico e Estado Democrático de Direito.
O motivo disto é o de que a igualdade aristotélico-tomista permite, assim como a igualdade material do CDC e seus princípios mencionados, a intervenção dos consumidores na construção da norma jurídica, outras fontes de direito e resolução de conflitos que não a estatal e certa intervenção estatal nos contratos de consumo na busca pelo bem-comum da sociedade.
Neste último caso, emerge a cláusula rebus sic stantibus quando o estado flexibiliza o cumprimento de cláusulas do contrato a fim de evitar o encargo excessivo sobre o consumidor, o que sucede a partir do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor em ambas as formas de igualdade assinaladas.
Percebeu-se, quanto à doutrina das tutelas, do Direito do Consumidor, a possibilidade de aplicação das quatro causas aristotélico-tomistas não apenas para a compreensão da natureza de cada conceito de tutela, e da atitude do juiz na apreciação dos pedidos das tutelas, mas no próprio discernimento de qual tutela utilizar.
Em primeiro lugar porque o juiz deverá averiguar, quando for analisar o pleito, se realmente há uma adequação daquilo que o autor pede com a previsão legal que determina o direito; ou, em outros termos, porque o juiz, em vista deste objetivo, analisará a questão da causa material do pedido.
Em segundo lugar porque o legitimado ativo de tutela coletiva deverá observar o pedido da ação, sua causa final, quando for aplicar ou não a tutela difusa; ao passo que para discernir se deve entrar com uma tutela coletiva em sentido estrito ou individual homogênea, ele terá de averiguar se o consumidor poderia entrar com uma ação individual para obter o acolhimento do pedido; em outros dizeres, porque o legitimado há de observar, para tanto, a causa eficiente e a causa formal do pedido.
Notou-se, ainda, que o uso das noções de substância, essência e acidentes são necessárias e úteis não só para a correta compreensão e aplicação do princípio da isonomia, como também úteis na análise e distinção dos vários tipos de tutelas e de consumidores.
Quanto à aplicação de tais noções nas tutelas coletivas, reparou-se que a coletiva em sentido estrito contém a substância das tutelas coletivas, porquanto é a que melhor expressa concretamente o caráter coletivo das tutelas, graças à tutela jurídica concreta, à determinabilidade dos titulares e à indivisibilidade do objeto.
A tutela difusa demonstra, de modo evidente, a essência das tutelas coletivas, haja vista conter aquilo que de mais universal, mas mais estruturante em sentido formal, aparece nas tutelas coletivas, dada a sua tutela abstrata, indeterminabilidade dos titulares e seu objeto indivisível.
A tutela individual homogênea é, de sua parte, uma tutela coletiva por acidente em relação às outras duas e essencialmente subjetiva; pois nada obstante a sua tutela de caráter concreto e a determinabilidade dos titulares, sua matéria não precisa ser tratada de forma necessariamente coletiva por versar sobre direitos individuais e pessoais, e isto ocorre por versar sobre um objeto divisível.
Quando as noções aristotélico-tomistas em questão são inseridas no contexto das várias espécies de consumidor, verifica-se que o conceito essencial de consumidor é o de coletividade exposta (art. 29, CDC), porque trata da noção mais universal e abstrata, no entanto assim como a tutela difusa, em relação a qual a coletividade exposta é titular, a mais estruturante em sentido formal.
Os consumidores destinatários finais de uma relação de consumo, de sua parte, referem-se a um conceito que demarca a substância do consumidor, e isto tendo em mente que dito conceito concerne às instanciações concretas do conceito essencial, compreendidos, assim, os acidentes dos vários casos concretos possíveis (crianças, adultos, homens, mulheres).
Já o consumidor “transeunte”, bystander, se revela como um consumidor por acidente no tocante aos consumidores destinatários finais e à coletividade de consumidores, haja vista que o consumidor bystander se vincula a um conceito por equiparação que depende de um abuso ocorrido com o consumidor destinatário de um serviço final, em uma relação prévia de consumo, para poder ser, assim, considerado consumidor.
Por fim, após esta breve reconsideração do trabalho, conclui-se pela razoabilidade de um estudo mais profundo não apenas sobre o uso do Aquinate como uma base teórica ainda válida para a compreensão e aplicação do Direito do Consumidor pátrio, como também, ainda, de um estudo mais sério a fim de descobrir se Aquino melhor assegura os fins/bens tutelados por este ramo do direito em contraposição a outras bases teóricas.
Conclui-se, com mais força ainda, pela razoabilidade de um estudo mais aprofundado sobre a adoção de Aquino como a principal base teórica, para o CDC, se reconsiderarmos o que nos pareceram ser as limitações das alternativas platônica, aristotélica, kantiana ou neokantiana, utilitarista e habermasiana na formação ética do fornecedor e na defesa dos direitos básicos do consumidor.
REFERÊNCIAS
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[1] Desde que com base em uma concepção realista do valor (intrínseco) das coisas.
[2] Sobretudo históricos: a noção de igualdade material só deslanchou tal como a conhecemos em função do advento do Estado de Bem-Estar Social (Wellfare State) na segunda metade do século XX, e talvez com ressaibos socialistas e convencionalistas.
[3] Não concordamos inteiramente com o pensamento de John Finnis ou ainda com o de Javier Hervada, mas os utilizaremos aqui por se tratarem a nosso ver de dois autores incontornáveis no estudo do tema da Lei Natural. Ademais, tomamos de empréstimo a terminologia finnisiana “caso central” para utilizá-la, tal qual o próprio australiano o faz, como sinônimo da terminologia tomista simpliciter (pura e simplesmente algo, algo em sentido próprio, forte), sem, todavia, levá-la necessariamente aos mesmos usos teóricos e às mesmas consequências teóricas ou práticas que Finnis. Ademais, a mesma lógica valerá para “auto-evidência”, “auto-evidente”, “bens básicos”, “princípios propriamente morais” e “instanciação dos bens básicos de modos razoáveis”, o que ainda será destrinchado em outras notas.
[4] Aqui divergimos de John Finnis (2007b, p. 44, 45, 90, 97 e 98) no sentido de que para o Aquinate tais princípios da razão prática seriam incomensuráveis, sem hierarquia objetiva prévia à escolha humana, e autônomos (ainda que relativamente) à razão teórica, haja vista que, no Comentário à Ética de Aristóteles, Tomás (apud SCHERER, 2021a, p. 190), antes de tratar de uma alegada teoria metafísica das quatro ordens da realidade (natural, lógica, técnica, e ética), utilizada pelos adeptos da teoria finnisiana para justificar a tese da autonomia, estabelece em primeiro lugar uma dupla classificação na ordem das coisas (in rebus): a ordem das partes ao todo e, mais importante do que esta, a ordem das coisas ao fim, a ordem teleológica da natureza. Para uma avaliação mais completa destes problemas, dos próximos problemas abordados em outras notas, ou ainda de outros problemas que estes, de Finnis e da Nova Teoria da Lei Natural, a qual ele pertence, vide 2021, p. 166-212.
[5] A evidência de uma proposição possui dois sentidos: em si mesma, o que constitui a auto-evidência, quando em uma proposição o predicado já é da essência do sujeito; e para nós, quando conhecemos o significado dos termos da proposição, em especial do sujeito (HERVADA, 2006, p. 37 e 63). Portanto, a auto-evidência de uma proposição prática não corresponde necessariamente à ideia de que tenha sido fruto de um insight autônomo ao conhecimento teórico ou a um silogismo teórico prévios, como o quer Finnis (2007a, p. 35, 36, 90 e 91). Ainda é importante pontuar que a auto-evidência (per se nota, um) dos primeiros princípios da razão prática é secundum quid (sob certo aspecto algo, de certo modo algo, algo em sentido fraco) relativamente àquela dos primeiros princípios da razão teórica, auto-evidência simpliciter; princípios estes dos quais o primeiro é o da não-contradição (algo não pode ser e não ser ao mesmo tempo no mesmo sentido), o qual governa inclusive não apenas o raciocínio teórico, mas todo o raciocínio prático.
[6] O que não significa que concordamos com a conclusão de que todos os princípios aos quais John Finnis nomeia como propriamente morais sejam específicos e/ou particulares e ao mesmo tempo, no caso dos Dez Mandamentos, gerais (FINNIS 2007b, p. 35, 2011, p. 154 e SCHERER 2021a, p. 175-176) ou universais; mas sim que a prudência há de aplicar estes princípios propriamente morais (apreendidos pela Ética ou Moral, ciência prática) em atenção às situações concretas do agente moral ou dos agentes morais (SCHERER, 2021b, p. 71) e isto, pontuamos nós, de maneira a tentar efetivá-los todos bem ou da melhor forma possível. Os Dez Mandamentos são, porém, de fato especificações dos primeiros princípios a partir de um processo nomeado de conclusão, processo de dedução lógica desenvolvido mediante raciocínios sobre os dados dos sentidos e da inteligência (HERVADA, 2006, 30, 38-40) e o qual analisaremos mais detidamente na nota seguinte.
[7] Os primeiros princípios universais ou universalíssimos (prima principia communia) se revelam para o Aquinate (apud FINNIS, 2011, p. 146 e 149) tais quais as “sementes” (seminalia) ou de certo modo fins dos preceitos morais (quasi fines preaceptorum); “sementes” que são, por conseguinte, insuficientes por si mesmas para identificar a virtude, ou seja, a reta razão, o meio termo – excelente, não medíocre, acrescentamos – entre extremos, no agir, e seus preceitos propriamente morais (FINNIS, 2007a, p. 51 e nota 20). Contudo, discordamos de Finnis de que bastaria o conhecimento dos princípios morais metodológicos da razão prática, em especial o supremo que estabelece não ferir diretamente nenhum bem humano básico, para daí haver especificação ou dedução dos princípios segundos da lei natural, propriamente morais, tais quais os plasmados nos Dez Mandamentos (FINNIS, 2007a, p. 42, 2007b, nota 38, p. 47, 2011, p. 154, e SCHERER, 2021a, p.181). Em outros dizeres: para tal dedução, no lugar destes princípios metodológicos, bastaria a ajuda do conhecimento especulativo da natureza humana – a qual já é intrinsecamente, propriamente, normativa ou moral – demarcando a hierarquia das inclinações da natureza humana e a hierarquia dos bens que lhes são correspondentes, e mais particularmente no tocante ao fim último desta natureza, que é Deus mesmo (SCHERER, 2021a, p. 180, 181, 197, 203, nota 13, p. 210).
[8] Pensamos se tratar dos casos em que há maior igualdade entre as partes de um negócio jurídico de direito privado, como no caso de duas “empresas”, de duas pessoas jurídicas empresárias.
[9] Truth and rightness claims, by contrast, are susceptible to argumentative justification in the proper sense, through what Habermas calls “strict discourses.” As he first analyzed the discourses connected with these two types of validity (1973a), they had much in common. Although the types of reasons differed—moral discourse rested primarily on need interpretations, empirical-theoretical discourse on empirical inductions—in both cases, the relevant reasons should, in principle, be acceptable to any reasonable agent. In the case of empirical truth claims, this process-level presupposition of consensus rests on the idea that the objective world is the same for all; in the case of moral rightness, it rests on the idea that valid moral rules and principles hold for all persons. In both cases, the appropriate audience for the testing of claims is universal, and in making a truth or rightness claim one counterfactually presupposes that a universal consensus would result, were the participants able to pursue a sufficiently inclusive and reasonable discourse for a sufficient length of time. Although his early statements are somewhat unclear, on one reading Habermas defined not only moral rightness but also empirical truth in terms of such ideal consensus (similar to C. S. Peirce). He now further distinguishes truth from moral rightness by defining the latter, but not the former, in terms of idealized consensus […].
[10] Não em sentido finnisiano, o qual grosso modo, a partir do já proferido na nota 6, confunde ou obscurece o uso dos termos “particular” e “geral” neste campo; campo ao qual Finnis nomearia de propriamente moral, vale recordar. Queremos dizer aqui, na verdade, que as culturas tentam instanciar os bens básicos de modos razoáveis, mas variáveis, através de determinações prudenciais dos princípios morais universais (HERVADA, 2006, p. 43), inclusive dos Dez Mandamentos; determinações, estas, que são cristalizadas em lei convencional, positiva, humana, e, destarte, no direito convencional, positivo, humano. Para uma boa introdução às complexas relações entre lei natural e lei positiva, vide <<https://www.youtube.com/watch?v=9wvyBZZu55c>>.
[11] De forma alguma, contudo, tal como Javier Hervada (2008, p. 362) os lê, em sentido liberal (indiferente ao bem e ao mal moral intrínsecos no uso destes direitos, em especial quanto à Verdadeira Religião e quanto a Deus Revelado), nos casos da liberdade de expressão e da liberdade religiosa, lembrando que os direitos em sentido próprio sempre constituem campos delimitados, com ou sem amparo estatal direto ou indireto, de bens e nunca de males. Para uma crítica detalhada a estes falsos direitos, vide também as encíclicas Mirari Vos (de Gregório XVI) e Quanta Cura e seu Syllabus (Silabo) de erros (do Bem-Aventurado Pio 1X), bem como as encíclicas Immortale Dei e Libertas Preastantissimum (ambas de Leão XIII). Para uma introdução panorâmica e acessível à doutrina tomista da lei natural e do direito natural, vide <<https://www.youtube.com/watch?v=Ek_thcYOGuA>>.
[12] Quando o estado se comporta como um particular em alguns contratos administrativos.
[13] Relativa, podendo ser refutada pelo fornecedor em juízo.
[14] Ou ainda em sentido socialista. Por força da conotação relativista e convencionalista que “pluralismo jurídico” comumente possui, preferiríamos o termo “pluralidade jurídica”, o qual nos revela um caráter mais substancial e objetivo dos bens tutelados pelo Direito do Consumidor. No entanto, como se trata de termo presente na Constituição Brasileira (art. 1º, inciso V) e adotado pela doutrina consumerista em que nos apoiamos quando escrevemos este artigo – a saber: a do Professor Dennis Verbicaro, do qual fomos aluno – utilizamos o termo neste trabalho com as já devidas precauções.
[15] Pacta sunt servanda é um termo em latim que significa “os pactos devem ser cumpridos”. Representa o princípio da força obrigatória dos contratos, que diz: se as partes estiverem de acordo e desejarem se submeter a regras estabelecidas por elas próprias, o contrato obriga seu cumprimento como se fosse lei.
[16] Mas não anuladas, assim como se averigua na figura jurisprudencial do erro grosseiro, em que se estabelecem situações nas quais o erro cometido pelo consumidor é inexcusável porquanto a fraude no anúncio é de fácil detecção, qual seja o caso em que se anuncia um carro da Ferrari pelo preço de um Honda Civic usado.
[17] Rebus sic stantibus (“estando assim as coisas”): é a presunção, aqui nos contratos comutativos, da existência implícita de cláusula em que a obrigatoriedade do cumprimento do contrato pressupõe inalterabilidade da situação de fato.
[18] Litisconsórcio é a possibilidade que uma ação judicial tem de incluir novos membros no polo passivo e/ou no polo ativo.
[19] Em linguagem tomista, chama-se aos animais irracionais “brutos”.
[20] Dada a possibilidade, já aludida, de uma influência socialista e convencionalista na origem histórico-filosófica deste princípio.